sexta-feira, 9 de abril de 2010

Resenha: Disputa dos Royalties

1.Apresentação da Polêmica dos Royalties

Presente nas principais pautas de discussão no governo, o Pré-Sal, promessa de riqueza aos olhos de muitos brasileiros e de farta arrecadação pelo governo, ainda está longe de deixar o campo das polêmicas. Desde sua descoberta e da expectativa de alta capacidade produtiva a baixo risco, discute-se a necessidade de mudanças nos marcos regulatórios da exploração do petróleo em território nacional. Entre os quatro projetos de lei apresentados pelo presidente Lula em agosto do ano passado está a proposta de alteração na distribuição dos royalties advindos da atividade exploratória. Tal mudança defendia, além da nova divisão entre União, estados e municípios, a repartição igualitária da arrecadação entre os estados e municípios, produtores ou não. Contudo, diante da forte pressão contrária exercida pelos estados produtores, o governo recuou e passou a aceitar a diferenciação destes no recebimento das receitas. Esta mudança, no entanto, não agradou a diversos deputados que propuseram a chamada Emenda Ibsen, aprovada em 10 de março por 369 votos contra 72, na qual estipula-se que 30% dos royalties sejam destinados aos estados, 30% aos municípios e 40% à União, sem tratamento diferenciado para os produtores. O texto segue ainda para o Senado e depende da aprovação do presidente Lula. Isto, deve-se observar, não apenas para a camada pré-sal, mas para todos os projetos de extração já existentes na costa brasileira.
Tal medida, resultado de debates e disputas jurídicas que vem ocorrendo desde dezembro de 2009, gerou grande insatisfação entre os produtores de petróleo e iniciou uma onda de protestos entre seus líderes políticos. No Rio de Janeiro, estado mais afetado pela nova distribuição, foram feitas diversas manifestações de protesto, organizadas pelo governador Sérgio Cabral, e ameaças contra as Olimpíadas, a Copa do Mundo e o PAC.
Em Minas Gerais e São Paulo, os governadores Aécio Neves e José Serra, embora sejam ambos a favor da distribuição de royalties futuros (referentes ao pré-sal) para estados não-produtores, se manifestaram contrários à perda da atual arrecadação que sofreriam os estados do Rio de Janeiro, esta avaliada entre 4,8 e 7 bilhões de reais por ano, e do Espírito Santo. Em entrevista, José Serra afirmou que acha “legítimo entregar recursos do petróleo para beneficiar o Brasil como um todo, mas não pode se fazer liquidando dois Estados. (...) o projeto, do jeito que está, arruína o Rio de Janeiro, arruína o Espírito Santo, e por isso é inaceitável”.

2.Discursos em defesa da Emenda Ibsen

Os argumentos favoráveis à distribuição igualitária entre os estados e municípios brasileiros focam, particularmente, na afirmação do petróleo como um recurso nacional e como elemento de redução dos desequilíbrios regionais.
Em geral, os parlamentares favoráveis à redistribuição questionam a relevância da localização geográfica da produção de petróleo e defendem que tais recursos pertencem a todos os brasileiros e, desta forma, devem ser igualmente distribuídos pelos estados. Argumentam, também, que, desta forma, os recursos do pré-sal podem ser aplicados para reduzir as desigualdades inter-regionais.
No entanto, os deputados Marcelo Castro (PMDB-PI) e Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) não procuraram reduzir a polêmica. Estes afirmaram, respectivamente, que “não interessa que a exploração seja feita de frente para o Rio de Janeiro”, em defesa da distribuição não diferenciada, e que os estados produtores “têm, no máximo, vista para o mar, que é muito privilegiada”, ao defender que exploração no mar não representa possibilidade de danos ao estado produtor.
Outros defensores da divisão igualitária argumentam, também, que todos os estados, através da União, financiam as pesquisas e as perfurações da Petrobrás e que, desta foram, deveriam ser igualmente beneficiados.

3.Posições contrárias à nova lei

Já no lado oposto neste debate, o principal foco dos ataques jurídicos à Emenda Ibsen voltam-se para a questão dos campos já licitados. Como revelado em matéria do GLOBO, diversos juristas apontam para o parágrafo 1 do artigo 20 da Constituição, o qual já foi alvo de decisões do Supremo Tribunal Federal favoráveis a estados e municípios produtores, que garante “participação nos resultados da exploração de petróleo no respectivo território, plataforma continental ou mar territorial, ou compensação financeira por essa exploração” a estados e municípios. Para o jurista Ives Granda, “o artigo 20 da Constituição é mais do que suficiente para decretar a inconstitucionalidade da emenda”.
Outra linha de protesto contra a emenda, utilizada principalmente pelo governador fluminense Sérgio Cabral e defendida por outros políticos e economistas, aponta para o forte prejuízo que impossibilitaria novos investimentos e o fechamento das contas públicas. Com a drástica redução da arrecadação, investimentos econômicos e sociais, assim como a manutenção dos já realizados, ficariam comprometidos. “Se eu não tiver esses recursos, hoje, o estado quebra. Acabou a saúde, acabou a educação, fecha”, declarou o governador Sérgio Cabral.
Políticos fluminenses e outros também respondem negativamente à proposta do senador Pedro Simon (PDT-RS), o qual propôs que os “estados produtores de petróleo recebam uma compensação pelos royalties perdidos com a aprovação da Emenda Ibsen”. Já se preparando para apresentar uma contra-emenda, o senador Francisco Dornelles (PP-RJ) declarou que “O Rio de Janeiro não vai aceitar trocar o que lhe é de direito por esmolas do governo federal”.


4.Análise geral e ponderações

Talvez, o surgimento da proposta possa ser mais bem entendido se considerarmos a proximidade do período eleitoral. Tal medida apresenta um forte apelo popular entre os estados não produtores e, certamente, fornece uma boa plataforma de campanha nas eleições regionais.
Contudo, a polêmica também representa um potencial desgaste para os candidatos à presidência, o que explica o tom evasivo e postergador adotado por Lula e Serra. A exceção a isto é a candidata petista, a ministra Dilma Rousseff, que declarou “Constituição prevê que os Estados produtores, confrontantes ou que tenham algum equipamento relativo a algum processo (de exploração e produção de petróleo) sejam contemplados diferenciadamente”, afirmando que “a mudança nas regras é inconstitucional e não deveria ter sido feita influenciada pelas ‘emocionalidades’ de um ano eleitoral”.
Podemos observar também, através dos argumentos de defensores da emenda, que há, no congresso, um considerável desconhecimento, proposital ou não, da verdadeira função dos royalties. Estes recursos destinam-se a recompensar as localidades produtoras pela extração de um recurso finito presente em seu território; possibilitar gastos em infra-estrutura, necessária à sua extração, e sociais, para atender ao aumento populacional; e, por fim, a permitir investimentos econômicos nestas localidades para após o fim dos recursos. Além disso, como ressaltou o ministro do Meio Ambiente Carlos Minc, “os royalties são a contrapartida do risco ambiental. Se tiver algum desastre ambiental, não será Rondônia, Mato Grosso ou outro Estado quem vai sofrer. O impacto vai ser nas praias, no turismo e na saúde do Rio”.
Apesar de justa a demanda dos estados não-produtores por participação mais relevante na distribuição das receitas do pré-sal, isto não justifica a retirada das receitas já regulamentadas do pós-sal dos estados produtores, afirmam diversos políticos e juristas como o ex-ministro da justiça Tarso Genro. Além disso, tal medida não leva em conta o fato de que os estados não-produtores já possuem o direito de cobrança da ICMS do petróleo, cobrado nos estados consumidores e não nos produtores como ocorre com as demais commodities.
Deve-se, nesta situação, ser posta também em debate qual a participação da União neta situação. Como representante da federação de estados não deveria ser ela a receber primariamente as receitas destinadas ao país como um todo e, então, distribuí-las de acordo com os critérios acertados (importância econômica, necessidade social, densidade populacional,...)? Uma vez que a União é tratada como uma entidade separada e não representativa dos estados, qual é seu papel em nossa nação?
Os “royalties do Rio” representam mais que uma disputa de “todos contra dois”, mas também uma crise de afirmação nacional brasileira iniciada com o enfraquecimento da União em detrimento das oligarquias políticas estaduais.


Thiago Marino Leão Cardoso
Edson Mendonça da Silva

Referências:
1. http://www1.folha.uol.com.br
2. http://oglobo.globo.com
3. O petróleo é nosso! De quem? – Fritz Utzeri